‘O poder da literatura é o poder de se colocar no lugar do outro e abrir universos dentro do nosso universo’ entrevista com Christian von Koenig

LITERATURA

Luiza Ferreira

5/24/202410 min read

O escritor catarinense Christian von Koenig falou sobre seu novo livro "Acende uma Fogueira para a Longa Noite", e muito mais

Christian von Koenig nasceu em Itajaí, “por ocasião de maternidade próxima”, mas dividiu sua infância e adolescência entre Florianópolis e Balneário Camboriú. Desde cedo, ele se via como uma criança introvertida, o que tornava a socialização difícil. Encontrou nos livros um refúgio, enxergando a leitura como uma forma de ocupar o tempo. Sua paixão pela leitura começou cedo, frequentando a biblioteca da escola e devorando até livros não tão recomendados para sua idade, como “O Corcunda de Notre Dame”. “A bibliotecária dizia, você não quer levar algo mais leve? (...) Não entendia tudo, mas pelo menos tentava”, conta.

Já a escrita começou a ganhar espaço em sua vida na juventude, quando escrevia poemas de amor. Ele lembra que pedia à mãe para anotar os versos que queria entregar à menina de quem gostava na escola, uma memória que ela ainda menciona com carinho. Em um dia, passeando por uma feira do livro chamou sua atenção, especialmente um de histórias picantes de Henry Miller, o autor de “Trópico de Câncer”. Esse encontro com a obra de Miller foi um ponto de virada, acreditando que também poderia publicar seus escritos. Aos 15 anos, decidiu que queria ser escritor e começou a escrever intensamente, chegando atualmente com um vasto acervo de poesias, romances, zines, peças de teatro, roteiros para TV e músicas. Atualmente, trabalha com produção de conteúdo e revisão, mas sua vida gira em torno da escrita.

Recentemente, Koenig lançou "Acende uma Fogueira para a Longa Noite”, seu primeiro livro lançado por uma grande editora, a Patuá. O local escolhido como palco para esse evento literário, foi a Galeria Lama, em Florianópolis, lugar conhecido por se dedicar a promover a arte. O livro, possui temas como esperança, amor, e a complexidade das relações humanas, assim, transportando o leitor para diferentes cenários e situações, cada um carregado de emoção e significado.

Tivemos a oportunidade de conversar e conhecer mais sobre o autor, que, além de falar sobre o livro, compartilhou seus planos e destacou como a literatura pode ser transformadora, enfatizando que histórias e poemas podem mudar perspectivas e abrir novas janelas para a compreensão do mundo.

Confira o que rolou na entrevista:

La Tela: Antes de falar um pouco sobre o livro “Acende de uma Fogueira para a Longa Noite”, conte um pouco sobre como foi o lançamento na Galeria Lama.

Christian: Isso foi muito legal. Na verdade, já foram dois lançamentos, um em São Paulo, na Patuscada, sede da editora Patuá, que publicou O Acender de uma Fogueira para a Longa Noite. Em São Paulo, foi ótimo, pois mesmo não conhecendo muitas pessoas, tive a oportunidade de reencontrar amigos e conhecer pessoalmente pessoas que antes só conhecia pela internet. Esse apoio inesperado foi muito significativo para mim, ver pessoas que compraram o livro e apoiaram meu trabalho, que tem sido uma longa jornada para conseguir a publicação. Aqui em Florianópolis foi uma festa incrível na Galeria Lama, um espaço que reúne diferentes campos artísticos. Na mesma noite, houve uma abertura de exposição com vários artistas, e foi um prazer compartilhar esse momento com eles. O evento foi um sucesso, com muitos participantes e vendas de livros. É essencial apoiar os artistas não apenas com curtidas na internet, mas sustentando seu trabalho. Cada abraço e cada venda foram importantes, mesmo com a correria de quatro horas em pé assinando livros. Foi gratificante ver pessoas que não via há muito tempo, receber o apoio de todos que me inspiraram, e ver minha família orgulhosa ao meu lado. Também contei com a participação da Caroline Passos, uma das fundadoras do Posfácio Podcast, um projeto que admiro muito. Eles já entrevistaram autores importantes no Brasil e ajudam a divulgar a literatura catarinense. Ter essa parceria com a Carol foi muito bacana.

Lançamento do livro "Acende uma Fogueira para a Longa Noite" no dia 10 de maio, na Galeria Lama em Florianópolis.

La Tela: E sobre o livro, alguma inspiração para o título?

Christian: Eu já tinha vários compilados de livros e tentei enviá-los para várias publicações, mas nunca tinha dado certo porque faltava um fio condutor. Encontrei esse fio ao escrever O Acender de uma Fogueira para a Longa Noite. Percebi que os poemas precisavam falar de manter a esperança em momentos difíceis, mantendo essa chama acesa. Qualquer pessoa pode imaginar sua 'longa noite', seja no amor, trabalho ou fé. A ideia é manter a chama acesa e esperar pelo amanhã.

Comecei a encaixar outros poemas e adaptar o que já tinha escrito para essa temática. Por exemplo, quando falo de amor, é sobre a capacidade de amar, mesmo que se perca um amor. Quando falo de tempo, é sobre novas oportunidades que surgem. A vida tem um caráter cíclico, e foi assim que construí a obra.

Especificamente sobre o poema principal, ele tem vários diálogos com outros autores e poemas que me inspiraram. Queria escrever algo que ajudasse as pessoas em momentos difíceis, assim como a poesia me ajudou em minhas longas noites. Um poema que me marcou muito foi "If" de Rudyard Kipling, que se tornou um mantra para mim em momentos difíceis. A ideia do fogo e da noite veio de "Do Not Go Gentle into That Good Night" de Dylan Thomas, que aborda a morte do pai e outros elementos que estavam em minha mente, especialmente durante a pandemia, um período crítico de muitas mortes.

A imagem do fogo surgiu dessa necessidade de expressar esperança e oferecer conforto às pessoas. Outros poemas do livro também dialogam com essas ideias de tempo e novas oportunidades, encaixando especificamente com os poemas de Kipling e Thomas.

La Tela: Do livro, você tem algum poema preferido?

Christian: Bom, o mais significativo é o Acende uma Fogueira, claro, porque abre, porque dá um nome ao livro, tudo isso, mas tem outros ali também que eu gosto muito, porque o livro é separado em sete partes, então cada um tem uma temática diferente, então talvez eu goste de poemas diferentes por motivos diferentes. Se for falar da temática do amor, que é muito forte nesse livro e é muito como um todo, eu diria que tem um chamado Fogo Confesso. Que também tem essa temática do fogo, que é bem evidente.

Também tem outro que meio que resume toda essa... essa mensagem da obra, também que chama tempo ao tempo, que é a capacidade de a gente se refazer, de que é preciso dar tempo para que a gente possa se curar, mas se der tempo, realmente a gente vai conseguir se curar, sabe?

La Tela: No livro possui poemas que você escreveu entre 2010 a 2023, dito isso,
como foi a seleção do que iria ou não iria para o livro?

Christian: Foi... Bom, a partir do momento que entendi a mensagem que queria trazer para a obra e qual seria o fio condutor, ficou mais fácil selecionar os poemas. Entre centenas de poemas que escrevi, algumas coisas eram mais dramáticas ou soturnas e não cabiam no livro. Fui selecionando os poemas que eram fiéis ao tema de Acender de uma Fogueira.

Também queria mostrar a diversidade da minha escrita, então incluí sonetos, haicais e poemas mais longos. Um aspecto importante para mim foi me apresentar em saraus e festivais literários, pois isso me dá uma noção real do impacto dos poemas ao vivo.

É diferente uma pessoa ler sozinha em casa e outra estar no meio de uma multidão, talvez em um bar, e parar para prestar atenção.

Apresentando esses poemas ao longo dos anos, fui percebendo o que funciona e o que não funciona tão bem. Vários desses poemas foram testados em plateias antes de serem incluídos no livro.

La Tela: E sua origem catarinense, influência em algum dos poemas?
Algo em que te inspira a escrever sobre?

Christian: Eu não diria que existe uma questão especificamente catarinense na minha obra, pois é difícil definir exatamente o que seria uma literatura catarinense devido à sua variedade. No entanto, o mar é uma presença significativa em vários poemas. Sempre morei perto do mar, e ele é um cenário do qual não me vejo distante. O mar aparece em muitos poemas, refletindo as ondas e a vida à beira-mar.

Acredito que isso se deve mais à natureza de Santa Catarina do que a uma formação geopolítica ou tradição literária. Minha inspiração vem da natureza que observo diariamente.

Além disso, há influências de pessoas próximas, como poetas da coletiva Brás Abarca e eventos como o Quinta Maldita e saraus que frequento. Esses poetas e eventos, realizados por artistas catarinenses, me inspiram a escrever e contribuem indiretamente para a minha obra.

La Tela: E nenhum poema que seja inspirado em algum acontecimento em Florianópolis? Assim como o seu livro de romance “Passagem para Lugar Nenhum”, que é baseado na sua viagem pela América Latina.

Christian: Num poema, é mais difícil encaixar um fato concreto ou algo noticioso de uma cidade. Em um romance, a ambientação, as datas e os locais são essenciais para a história. No entanto, na poesia, a vida em Florianópolis aparece de forma não especificada, pois quero que o leitor se identifique e possa transportar o poema para sua própria vida. Nos poemas amorosos, tento ao máximo evitar a identificação de gênero para que qualquer pessoa possa sentir que o poema é para ela.

Claro, há poemas que mencionam pessoas que conheci aqui, como um poema para uma amiga de Florianópolis, onde o nome dela aparece e há adjetivos femininos. Mas, no geral, não há cenas específicas de Florianópolis, exceto aquelas que remetem ao mar. No passado, escrevi poemas mais localizados, como sobre a paz de crítica, o Templo da Universal na Mauro Ramos, e poemas para Cruz e Souza. Contudo, neste livro, quis trazer uma mensagem mais geral, não tão atrelada a um só lugar ou contexto.

La Tela: Você já falou sobre estar pensando em escrever outro romance, agora baseado no programa Médicos Sem Fronteiras, pode falar um pouco mais sobre?

Christian: Sim, sim. Estou me desdobrando em várias frentes da escrita. Tenho uma newsletter onde me encantei pela escrita de contos breves, uma maneira bacana de surpreender o leitor. Além disso, estou planejando um romance há muitos anos, com muita pesquisa envolvida, especialmente sobre o trabalho do Médicos Sem Fronteiras. Quero que o romance seja o mais realista possível, trazendo à tona a coragem dessas pessoas em cenários de calamidade e guerra, algo que muitas vezes não temos noção. A história já está pronta na minha cabeça, só falta encontrar tempo para escrever, pois um romance exige meses, senão anos, de dedicação.

A poesia, claro, sempre será uma parte fundamental para mim. Comecei com poesia e continuarei com poesia. Participo de uma oficina com Isadora Krieger, uma grande poeta de Santa Catarina, e tem sido muito bacana explorar novas formas de escrita. À medida que mais pessoas leem minha obra, quero oferecer algo novo e evitar a repetição. O estilo diferente da Isadora, às vezes chocante, me ajuda a confrontar meus hábitos de escrita e a diversificar meu trabalho.

Vou escrever até o último segundo que puder, seja em contos, romance ou poesia.

La Tela: E de expectativa para o futuro, você espera lançar mais livros além desse que você já está pensando? Aproveitando que você falou sobre escrever até o fim da tua vida, como você imagina daqui há, sei lá, dez anos?

Christian: Eu acredito que tudo são degraus, e alguns são mais demorados de subir. O primeiro livro de poesia foi um desses degraus. Comecei a escrever poesia aos 15 anos e agora, com 35, finalmente publiquei por uma editora de porte nacional. Levei 20 anos para alcançar isso. O romance veio antes, em 2014, porque é mais fácil de circular.

Para o futuro, pretendo continuar com a produção de conteúdo, mas ter um livro publicado por uma editora nacional é crucial para abrir novas portas. Sobreviver na literatura exige participar de oficinas, eventos, debates, antologias, e ter uma coluna. Esse livro amplia meu público leitor e ajuda a criar uma rede de leitores, um dos trabalhos mais difíceis para qualquer escritor. Ele também oferece novas formas de venda e uma distribuição maior, algo que eu não conseguiria sozinho.

Tenho material para publicar mais livros de poesia e romances. Quanto mais evoluir na literatura, mais tempo poderei dedicar a ela, reduzindo a carga de trabalho no marketing, que atualmente paga as contas. Espero que, no futuro, possa me dedicar mais exclusivamente à literatura e continuar publicando mais livros.

La Tela: E para finalizar, você acha que a literatura pode contribuir para promover reflexões e transformações na nossa sociedade atual?

Christian: Com certeza, essa é uma das questões essenciais do nosso tempo e do cenário político brasileiro. Há um movimento político no Brasil tentando censurar livros para evitar que as pessoas tenham contato com novas ideias. Os livros são fundamentais para ampliar horizontes. Como podemos ser mais empáticos e entender a dor e a vivência do outro se não nos colocarmos no lugar deles? O livro, talvez melhor que qualquer outro meio, nos ajuda a fazer isso.

Em um filme, a imagem está pronta, mas no livro, precisamos conectar os pontos com nossa própria experiência, percebendo que as realidades retratadas têm pontos de contato com a nossa. Isso amplia nossa vivência. Por exemplo, na crise climática, uma coisa é saber que o planeta está aquecendo 1,5 grau por ano e tantas pessoas estão desabrigadas; outra é ler a história de uma família passando por isso e sentir os efeitos junto com eles, como agora no Rio Grande do Sul.

O poder da literatura é nos colocar no lugar do outro e abrir universos dentro do nosso próprio universo. A literatura é uma chave para perceber novas possibilidades dentro do nosso mundo.

O livro está à venda no site oficial da Editora Patuá.